Foto de abertura da matéria da New Yorker |
Se eu
tivesse julgado o que saiu na edição de 13 de Janeiro New Yorker sobre o
Corinthians pelo que foi publicado na imprensa brasileira teria achado que se
tratava apenas de uma debochada nota, e que uma das principais partes da nota
fazia referência ao time ser mais ou menos como uma casa de prostituição.
Mas como desconfio que um naco da nossa grande mídia está a serviço de seus próprios interesses e
preconceitos, e que eles muitas vezes se chocam com a notícia, fui atrás da tal
edição e quase caí do sofá quando vi que se tratava de uma matéria bastante
séria de 14 páginas e não de uma nota debochada.
Então, em
tradução tão livre quanto este espaço, e editada também livremente, faço aqui
um resumo do texto, mas adianto que se a ideia era 'sensacionalizar' e polemizar, cravar o olho no trechinho tosco da casa de prostituição acabou deixando passar outras boas oportunidades: o texto é cheio delas.
Tudo começa
com a história do Maracanazo. O autor, Ben McGrath, explica que o tal complexo
de vira-lata (ele cita Nelson Rodrigues, obviamente) ficou para trás, que o Brasil
hoje vive um boom econômico, que a classe média aumentou muito, fala do
primeiro jogo da Copa (Brasil e Croácia), e diz que ele será disputado no Itaquerão.
Nessa hora, o Corinthians entra em cena.
Depois de associar
o time ao proletariado, o repórter diz também que os torcedores do Corinthians
são considerados “thuggish” (em tradução livre, “meio violentos”) e fala do
telão digital do Itaquerão (“duas vezes mais brilhante do que o da Allianz Arena
em Munique, e, dizem, pode ser visto a 70 quilômetros de distância em uma noite
clara”). E então apresenta Andrés Sanchez ao leitor no trecho: “Sanchez gosta
de dizer que o Corinthians mudou o jeito como o futebol brasileiro pensa, e
entre cigarros, que ele ia jogando no chão fumados pela metade, diz com
convicção que agora a história está a seu lado: “Vamos passar facilmente os
times europeus, e seremos os maiores campeões do mundo”.
O texto fala
do corintianismo de Lula e das recentes manifestações sociais nas ruas do
Brasil. Em seguida, o repórter explica que pelo menos o Itaquerão sediará jogos
de um grande time, mas pergunta o que acontecerá nos novíssimos estádios de
Brasília (“cidade cujo maior time joga a série D”) e de Manaus. “No Brasil a
gente sempre acha que vai haver um milagre”, diz PVC, que no texto é comparado
ao comentarista americano Bob Costas, também bastante tático. “Dessa vez não
haverá milagre”, completa PVC.
Em seguida
vem Romário, que é comparado a uma figura tipo Derek Jetter (ídolo do New York
Yankees), mas que se vê mais como Muhammad Ali. Romário diz ao repórter que o
Brasil vai sediar uma Copa, mas que ela não é para o povo brasileiro. “As
classes mais baixas não terão dinheiro para comprar ingresso”.
Para
explicar ao leitor americano por que o futebol brasileiro é diferente, ou se
acha diferente, o repórter cita nossa histórica criatividade, Pelé e Garrinha,
e diz que o drible talvez tenha sido criado quando jogadores negros, na tentativa
de não trombar com brancos numa época em que até um choque acidental poderia
ser considerado ofensivo, deram um jeito de passar por eles sem resvalar. Mas ele logo explica que esse
futebol-samba é mais uma das vítimas da globalização. “O brasileiro aprendeu a
ser tecnocrata e o europeu a ser artista”, diz Tostão, sugerindo (mui acertadamente, na minha humildezinha opinião)
que se o repórter quer ver jogo bonito, deve ir a Barcelona ou a Manchester.
A matéria
então se aprofunda em Corinthians. Primeiro, contando a história da conquista
do título mundial em 2012 e o orgulho do torcedor ao exibir o “the favela is
here” do outro lado do mundo. Faz um paralelo entre o sucesso do time durante
uma década na qual milhões e milhões de cidadãos brasileiros foram tirados da
pobreza, ajudando a fazer das lojas que vendem produtos Corinthians o ponto de
varejo que mais cresceu no Brasil. E usa isso como porta de entrada para
mostrar como Sanchez e Luis Paulo Rosenberg reiventaram a forma como o
brasileiro consome futebol.
Conta ter
ido a casa de Rosenberg, num luxuoso reduto judaico em São Paulo (Higienópolis), explica
como um economista entrou em cena no futebol brasileiro falando do encontro
entre Sanchez e Rosenberg (“O [Andrés] me disse: ‘eu sei administrar um clube
de futebol, mas não tenho ideia como fazer para ganhar dinheiro com ele, então
você vem e faz o que tiver que fazer’). E então, entre parenteses, vem a parte
destacada pela imprensa brasileira, na qual Rosenberg diz que dirigir o
Cotinthians tem que ser comparado a dirigir uma casa de prostituição: “O que
mais você pode pedir a Deus”, completa.
O texto segue
e fala da acusação de lavagem de dinheiro em 2007, da ligação com o russo Boris
Berezovsky e explica como Sanchez deu a volta por cima. Primeiro, cita a vinda
de Ronaldo (“Ronaldo introduziu glamur. Celebridades como Hugh Jackman e
membros do Coldpay começaram a aparecer no estádio usando a camisa preto e
branca do Corinthians”). Em seguida, explica que o Corinthians é o maior
contrato da Nike na América Latina e diz que a lealdade do corintiano é tanta
que 30 mil corintianos foram ao Japão em 2012. “O Corinthians diz ter tantos
torcedores quanto o Canadá tem população, 35 milhões”, segue o texto.
Fala então de
Zizao, e da estratégia bolada por Rosenberg de trazê-lo a fim de conquistar o mercado
asiático. E abre aspas para Rosenberg: “Mas aí o bastardo do técnico diz que
isso é interferência, que ele não é bom jogador e coloca o cara no banco! Então
usei o cara para atividades sociais – para levar presentes para criancas em
hospitais”.
A deixa leva
o texto para as ações sociais praticadas pelo time: desde ajudar vítimas do
Tsunami no Japão, passando por doar dinheiro para combater obesidade infantil e
síndrome de down até plantar árvores para gols marcados. “Eventualmente, o time
ganhava tanto que poderia ter solicitado a chancela de “o primeiro time do mundo
a neutralizar o carbono”, diz o autor.
Ele então
explica sobre Itaquera, fala da distância para o centro da cidade e pergunta a
Rosenberg se o Itaquerão não foi construído muito “longe do dinheiro”. “Essa é
uma pergunta que me tira o sono”, diz Rosenberg.
O texto segue e em vários parágrafos e muitos detalhes conta a história da fundação do
time, fala dos 24 anos sem título, de como a torcida cresceu nesse período e
incorporou uma certa atitude de “nobre sofrimento”, da invasão do Maracanã em
1976 e sobre como alguns historiadores a consideram o maior deslocamento humano
em época de paz.
Juca Kfouri
diz que o o time adquiriu relevância nacional, e até global, na década de 80 ao
se posicionar contra a ditadura. É a oportunidade para falar do “marxista”
Sócrates, de Wladimir, de Casagrande, e da democracia corintiana. “Os jogadores
não eram apenas hippies; eram guerreiros culturais – pop stars até, que
apareceram no palco em show de Rita Lee”, diz o repórter. “E como revolucionários
o Corinthians foi bi-campeão paulista em 82 e 83”. Ele depois conta que hoje
uma placa de bronze saúda os jogadores na saída do vestiário para o campo de
treino: “Nada se compara ao Corinthians nessa terra chamada Brasil”.
O texto
conta sobre a punição recebida pelo time no ano passado, tendo que jogar em
estádios pequenos (o repórter foi a Mogi Mirim com Rosenberg e seu filho ver um
jogo), fala da tragédia em Oruro e de como as coisas mudaram depois disso. Na
saída do estádio em Mogi, Rosenberg diz ao repórter que o torcedor corintiano é
considerado o mais feio e que “infelizmente” é isso mesmo.
O autor fala
um pouco do jogo que viu, diz que foi sofrível e que, por decência, Rosenberg se
recusou a traduzir o que cantava a torcida. Conta então que Rosenberg é cético em
relação a tirarem as grades que separam o torcedor do campo durante a Copa do
Mundo, diz que o executivo não sabe se o brasileiro está pronto para isso. “É
muito arriscado”, diz o economista.
Nessa hora entra
em campo meu amigo Mauricio Savarese, jornalista, que diz ao repórter que a
cultura futebolística brasileira é menos violenta do que a argentina, e
que os
problemas de corrupção no Brasil não chegavam perto dos da Russia, onde 50
bilhões de dólares já foram queimados na preparação para a Olimpíada de
Inverno.
O texto
segue falando do Bom Senso, dos multi talentos de Paulo André, do selinho de
Sheik. Conta que Sanchez pediu para o repórter ir perguntar a Paulo André se ele
é pintor, escritor, cineasta, intelectual ou jogador de futebol. “Porque alguma coisa me diz que ele
não pode ser tudo”, disse Sanchez.
E então, a
caminho de um São Paulo e Corinthians no Morumbi, a namorada do filho de
Rosenberg diz ao repórter que ele vai entender por que está cobrindo o time
errado: “Você vai ver [no Morumbi] pessoas bonitas, com dentes e
alfabetizadas”.
O repórter se sente compelido a explicar: “Ela estava se
referindo aos torcedores do São Paulo, o time da elite”. Ele viu o primeiro
tempo em um camarote, não gostou do lugar e diz ter entendido rapidamente porque a Copa
do Mundo não seria realizada naquele estádio. Em seguida, fala do apelido de
Bambi e testemunha uma briga entre as torcidas. Ele então fala
das organizadas e de como são consideradas violentas. Tostão volta para dizer
que os times dão ingressos gratuitos para as organizadas e o risco é o de só
esses caras irem aos jogos.
Rosenberg explica
que é preciso entender que o Corinthians é 90% da vida desses caras e conta a
história das estrelas na camisa. Diz que com as seguidas conquistas o time
começou a colocar estrelas na camisa, e que um membro da Gaviões chegou para
ele e disse que era para ele parar com as estrelas. Rosenberg não acreditou e
quis saber do que o cara estava falando. “Nosso escudo tem espaço fixo na
camisa, então quanto mais ganharmos, mais estrelas e menor nosso escudo. Não
vou ao estádio para ver estrelas”. Rosengerg concordou e tirou as estrelas.
O repórter conta que foi a um bar ver um jogo com a Gaviões, que testemunhou seu anfitrião
atirar o celular no chão quando o adversário fez um gol e fala sobre como
Sanchez teve participação na demissão de Tite. “Sanchez deu um conselho a Mario
Gobbi: ‘Futebol sulamericano é um negócio complicado. Se você não está enfiando
uma barra na bunda de alguém todos os dias, então é hora de mudar’”, e completou
dizendo que Sanchez esperava um telefonema de Lula a qualquer momento, dando a
entender que o ex-presidente reclamaria do time.
Rosenberg
leva o repórter para ver Itaquerão e diz que não vai caber nem mosquito de tão
cheio que o estádio ficará. E o texto termina falando do acidente que resultou na
morte de dois trabalhadores no estádio, diz que um deles estava trabalhando há 18 dias sem folga e que, no acidente, o telão foi danificado.
A matéria é
histórica não apenas pelo tamanho(14 páginas), nem porque é a primeira
vez que um time de futebol tem esse peso numa edição da New Yorker (não achei
outra matéria como essa nos arquivos), mas porque trata-se de uma das revistas
mais antigas e renomadas do mundo, lançada em 1925, e para a qual já escreveram autores como John Cheever, Alice Munro, Haruki Murakami, Vladimir Nabokov, Philip
Roth, J.D Salinger e John Updike.
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